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O IMPACTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS NA EVOLUÇÃO DO JORNALISMO

Escrito por em Maio 29, 2020

OPINIÃO

O impacto das novas tecnologias na evolução do jornalismo

Por Paulo António Monteiro

Numa era digital, marcada por uma constante e acelerada mudança, caracterizada por um globalismo padronizador de culturas e de costumes, muitas indústrias e profissões estão a alterar-se totalmente, ou até mesmo a desaparecer. Tudo isto se passa num ritmo freneticamente acelerado, que nos afoga literalmente num caudal de informação, muitas vezes difícil de filtrar e descodificar em tempo útil. A evolução tecnológica para o digital fez com que as comunicações se tornassem muito mais banais e fáceis, tornando irrelevantes as diferenças entre texto, imagem e som.

A área da comunicação, e mais concretamente a do jornalismo, não está imune a este processo. A globalização, auxiliada pela expansão eletrónica, pode produzir conteúdos com tendência para anular o particular, a diversidade ideológica e interpretativa. Hoje, é possível ler notícias, exclusivamente assinadas por computadores, não sendo fácil distinguir se foram escritas pelo homem ou criadas através de inteligência artificial.

Por outro lado, a era da mobilidade tem um forte impacto no modo como acedemos às notícias. Mais de quatro milhões de portugueses utilizam smartphones, ou seja, é já muito grande a nossa dependência desses meios quando se pretende saber o que se passa no mundo.

Enquanto isto, a imprensa tradicional tem vindo consistentemente a perder audiência ao longo dos últimos anos. A manterem-se estas quebras, será muito difícil atingir um ponto de equilíbrio que torne os projetos sustentáveis e editorialmente independentes. Para haver liberdade, é necessário haver independência económica. No entanto, porque a maior parte dos sites de notícias é gratuito (o mesmo, aliás, se passa em relação à rádio e a uma boa parte da televisão), criou-se a ideia de gratuitidade generalizada em redor da informação.

Da modernidade constituída por um sistema «sólido» e estruturado, baseado em ideologias fortes, rapidamente se passou para a pós-modernidade de um sistema «líquido», que parece dominado pelo precário e pela incerteza constante. Como afirma o sociólogo polaco Zygmunt Bauman a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante».

A área da comunicação, e mais concretamente a do jornalismo, não está imune a este processo de transformação que integra e do qual, aliás, constitui parte essencial para a sua compreensão. De acordo com Mar de Fontcuberta, vivemos presentemente numa «sociedade em que o conhecimento é mediatizado pelos meios de comunicação social e é crescente a nossa dependência desses meios para se ter uma determinada perceção do mundo».

Estamos, de facto, perante uma alteração na comunicação, que Roger Fidler, visionário das tecnologias modernas de telecomunicações, classificou de «mediamorfose».

Fidler divide este processo evolutivo em três fases. A primeira foi a da linguagem falada e da partilha de conhecimento e experiências, o que, segundo aquele autor, terá aumentado as possibilidades de sobrevivência da espécie. A segunda, a da linguagem escrita, foi facilitadora da transmissão de informações e documentos e do armazenamento do conhecimento, sendo que a atual terceira, a digital, permite a comunicação entre máquinas e medeia a comunicação entre humanos.

Esta fase torna irrelevantes as diferenças entre texto, imagem e som, como aliás o comprova a utilização generalizada dos computadores nas mais variadas interações humanas.

Em boa verdade, a evolução tecnológica para o digital fez com que as comunicações se tornassem muito mais banais e fáceis. Segundo o sociólogo John Brookshire Thompson, a comunicação está cada vez mais global, «as mensagens são transmitidas através de grandes distâncias com relativa facilidade, de tal maneira que as pessoas têm acesso a informação e comunicação provenientes de fontes distantes», sendo que a «reordenação do espaço e do tempo, provocada pelo desenvolvimento dos media, faz parte de um conjunto mais amplo de processos que transformaram o mundo moderno».

Nunca antes, de facto, tanta informação esteve tão facilmente disponível. Parece ter-se concretizado o «fim da pretensa oposição entre o homem e a máquina», que, de acordo com a opinião defendida pelo filósofo francês Pierre Levy, se consubstancia em uma eficácia da interconexão do homem «com um número indefinido e sempre crescente de artefactos».

Tudo isto se passa num ritmo freneticamente acelerado, que nos afoga literalmente num caudal de informação, muitas vezes difícil de filtrar e descodificar em tempo útil. Fazemos muito mais em menos tempo, desmultiplicamo-nos num sem número de atividades e experiências, deixamos pouco espaço para reflexão.

Como questiona Anselmo Borges, será que, «antepondo o fazer ao ser, somos melhores e mais felizes? Não há, pelo contrário, a sensação generalizada de cansaço e de stress? Precisamente porque vivemos num tempo completamente descontínuo, disperso».

Simultaneamente, lemos um artigo, fazemos um telefonema, consultamos a Internet, inserimos um comentário numa rede social. As novas tecnologias permitem, sobretudo ao nível dos media, telefonar navegar na web e enviar mensagens ao mesmo tempo.

Ainda de acordo com aquele padre e professor de Filosofia na Universidade de Coimbra, «a vivência do tempo atual é a do concentrado, do “curto prazismo” e até do imediatismo cumulativo». Ou seja, é chegado «o tempo chamado digital ou numérico, que nos dá a sensação de ubiquidade: pensa-se na comunicação quase simultânea para todo o mundo».

No entanto, a globalização, auxiliada pela expansão eletrónica, pode produzir conteúdos com tendência para anular o particular, a diversidade ideológica e interpretativa. Na ausência dessa diversidade e na falta de espírito crítico, o sociólogo francês Dominique Wolton, aponta para o risco de «sermos dominados por completo» e até mesmo «abafados ou esmagados por toda essa informação».

Talvez, de facto, tenha razão o jornalista e sociólogo Alexandre Manuel, quando considera que «a rápida expansão e integração da eletrónica, com os valores e conteúdos globalizantes da ideologia técnica a articularem-se segundo um espaço digital e a sobreporem-se ao espaço histórico-cultural, tem levado os meios de comunicação social a apostarem na desvalorização da diversidade, com base no argumento de que só uma unidade de leitura dos acontecimentos possibilitará o progresso».

Como defende o filósofo francês Paul Virilio, são as novas tecnologias cibernéticas estabelecidas em rede, tecnologias de redes das relações e da informação facilitadoras da perspetiva de uma humanidade unida, mas também de «uma humanidade reduzida a uma uniformidade», na medida em que «vivemos uma era de emoções sincronizadas numa espécie de mundialização dos afetos». No mesmo momento, «não importa o lugar no planeta, cada um de nós pode sentir o mesmo terror, a mesma inquietude quanto ao futuro ou sentir o mesmo pânico», isto é, «passamos da estandardização das opiniões – tornada possível graças à liberdade de Imprensa – à sincronização das emoções».

Como exemplo desta sincronização das emoções de que nos fala Paulo Virilio, cite-se a difusão pela televisão, em direto para todo o mundo, do ataque às Torres Gémeas, em Nova Iorque, no início deste século ou a presente pandemia da Covid-19

No entanto como diz Carlos Camponez, «quando as notícias longínquas nos chegam à hora dos noticiários da noite, apercebemo-nos que nada sabemos do que se passou ao fundo da nossa rua»

Estamos perante uma transformação do espaço, na medida em que, ainda á distância, «assume a figura de uma instantaneidade, de um direto televisivo».

Este avanço tecnológico, a atingir níveis nunca antes registados, a par da quantidade de notícias e da rapidez de acesso à informação está a causar grande impacto no jornalismo. Como escreve o jornalista André Abrantes Amaral, no seu blog, «O Insurgente», a crise atual da imprensa deve-se sobretudo «ao acesso cada vez mais fácil e barato à informação online» e à «incapacidade dos jornais (em formato papel) se adaptarem».

Não podemos ignorar que, olhada na sua globalidade, a imprensa tradicional tem vindo consistentemente a perder audiência ao longo dos últimos anos.

A manterem-se estas quebras acentuadas, será muito difícil atingir um ponto de equilíbrio que torne sustentável e mantenha o respeito pela independência editorial.

De acordo com o empresário dos media, Francisco Pinto de Balsemão, as empresas de comunicação social, «para serem um negócio sustentável, precisam de ter lucros. De contrário, numa economia de mercado, ver-se-ão obrigadas a fechar. Ou, em alternativa, a perderem independência editorial. Porque o dinheiro que compensa os prejuízos continuados há-de vir de algum lado e nunca desinteressada ou inocentemente».

As estatísticas também indicam que a procura de notícias através dos meios eletrónicos tem vindo a crescer. Como afirmava o jornalista David Dinis, quando ainda era diretor do Observador  (jornal exclusivamente editado em versão eletrónica), «assiste-se hoje a um significativo aumento de consumidores de notícias, ou seja, os jornais nunca foram tão lidos», só que, agora, no digital…

A procura de notícias, agora adaptadas às novas plataformas, poderá ser um sinal positivo: os cidadãos continuam a procurar informação.

Esta transição para o digital coloca, no entanto e de novo, o problema do financiamento.

Sendo a maior parte dos sites de notícias gratuito, criou-se a ideia de uma gratuitidade generalizada em relação à informação. Ora acontece que o jornalismo não é gratuito, já que, como sublinha Ricardo Costa, diretor de informação da SIC, «o jornalismo é uma coisa que custa dinheiro, que tem de ser paga e se não for hoje, será amanhã».