OPINIÃO/CRUZEIRO: RESGATE ENCAPOTADO
Escrito por ARCO em Janeiro 9, 2018
Resgate encapotado!
As recentes notícias da entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no Montepio levam-nos a pensar inevitavelmente em mais um resgate à banca. Depois de BPN, BPP, BES, BANIF e dos problemas de gestão no BCP e na CGD não existe quase nenhuma instituição financeira que tenha dispensado intervenção externa para se manter viva. Nessa sucessão de intervenções «desapareceram» biliões de euros, a esmagadora maioria dos quais saíram dos cofres públicos, deixando claras as limitações do sistema financeiro capitalista.
De facto, só faltava dar corpo ao velho dito popular: “deves ter a mania que isto é a Santa Casa.” Agora é a Santa Casa a desviar-se, da sua função, social para «ajudar» um banco. A imprensa fala num investimento que poderá chegar aos 200 milhões de euros, que garantirão à instituição social 10% do Montepio.
Para a Santa Casa a concretização desse negócio pode vir a revelar-se uma situação potencialmente ruinosa. O investimento de 200 milhões de euros, corresponde ao valor de cerca de 2/3 do património imobiliário da centenária instituição.
Por outro lado, o negócio apresenta o risco muito elevado, uma vez que parte do princípio que o banco vale 2 mil milhões de euros. Contudo, o Montepio é o banco português pior classificado no que se refere aos rácios de capital e à sua situação financeira.
Tomás Correia, que tem o seu nome ligado ao BES, à Ongoing, ao BPN, a José Guilherme, e a tudo o que é sinal de má gestão e ruina do sistema financeiro, permanece à frente da Associação Mutualista, principal acionista do banco.
Os responsáveis políticos, apesar do silêncio, parecem empenhados numa solução para o Montepio, sem querer chamar-lhe resgate, ainda que o seja de facto. O Governo e o Banco de Portugal pressionaram para que a SCML venha a entrar no capital do Montepio. Uma vez mais os poderes públicos intrometem-se no que deveria ser a gestão autónoma da SCML.
A Santa Casa da Misericórdia é detentora de um monopólio ligado ao jogo para financiar a intervenção social junto das populações mais carenciadas e não para aplicar os seus recursos no casino financeiro que tem sido a banca portuguesa. Os estatutos da SCML deveriam ser claros na proibição de investimentos especulativos.
Os problemas do sistema financeiro português não se resolvem com intervenção social. No entanto, à semelhança do setor social, o sistema bancário precisa de uma intervenção mais forte e determinada dos poderes públicos. Quer pela regulação do Banco de Portugal, quer pela intervenção direta no mercado através da CGD, compete às instituições públicas colocar um ponto final nesta sangria de recursos, colocando as populações e as empresas à frente dos interesses dos especuladores. A ideia segundo a qual, em Portugal, a melhor forma de resolver um problema é fazê-lo durar sem soluções de fundo e esperar que as pessoas se esqueçam dele é uma perspetiva que todos temos de fazer desaparecer.
Luís Miguel Santos