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OPINIÃO/CRUZEIRO: O CROMOSSOMA CONSERVADOR

Escrito por em Junho 26, 2018

O cromossoma conservador

Na sequência de um conjunto de acontecimentos relacionados com liberdades individuais, a bancada do Bloco de Esquerda apresentou na última sessão da Assembleia Municipal de Odivelas (AMO) vários documentos sobre esses temas. Foi apresentada uma moção que assinalava a realização da Marcha LGBT de Lisboa, outra sobre os horríveis acontecimentos que têm vindo a ocorrer na fronteira entre o México e os Estados Unidos da América e uma terceira que celebrava a 11ª edição da Festa da Diversidade, realizada nos passados dias 16 e 17 de junho.

No documento que saudou a realização da Marcha LGBT de Lisboa, o Bloco de Esquerda também mencionou o veto presidencial à alteração da Lei da Identidade de Género. Recordo que, depois do Parlamento ter aprovado essa lei, Marcelo Rebelo de Sousa chumbou esse documento. No essencial, para o Presidente da República o principal problema dessa lei é a possibilidade de jovens a partir dos 16 anos alterarem o género no cartão de cidadão, sem recurso a parecer médico.

Essa também foi a linha de argumentação de muitas e muitos que se opuseram a essa lei. Muitas dessas críticas vieram de pessoas ligadas à igreja e dos quadrantes mais à direita do panorama político. Na AMO, a votação do documento do Bloco também refletiu essa realidade. PSD e CDS votaram contra, tendo o Partido Social Democrata proferido uma declaração de voto que tentou lançar a confusão e deixou claro o seu conservadorismo. Um dos seus eleitos falou de mudança de género e questões genéticas, dizendo que “os cromossomas não se mudam”. Esta posição revela a total insensibilidade da direita perante dramas e totalitarismo de quem não aceita que cada pessoa possa decidir livremente sobre a sua identidade de género.

Os outros dois documentos apresentados pela bancada do Bloco de Esquerda também se referiam a questões de direitos e liberdades individuais, nomeadamente em relação ao direito de livre circulação, à saudação ao Dia Mundial dos Refugiados (20 de junho) e à consagração do direito de solo na atribuição da nacionalidade. Nestes casos, a direita de Odivelas não aprovou as moções, ainda que o PSD apenas se tenha abstido.

Em causa estiveram documentos que chamavam a atenção para problemas reais e vividos por pessoas concretas. As imagens arrepiantes de crianças enjauladas e violentamente separadas das suas famílias, na fronteira entre o México e os Estados Unidos da América, não são fruto de uma liderança política escolhida de forma não democrática ou de uma qualquer decisão irracional. Antes de mais, aquela barbárie é consequência de um caminho ideológico que tem vindo a ser trilhado por muitos líderes, em várias partes do mundo.

Na Europa, o governo húngaro escolheu precisamente o Dia Mundial dos Refugiados para anunciar novas medidas que dificultam ainda mais a vida de imigrantes, refugiados e das pessoas e organizações que tentam apoiar todas e todos os que apenas procuram melhores condições de vida. Ainda que seja mais tranquilizador apontar o dedo a Trump, a União Europeia não é um exemplo de boas práticas no que toca à temática dos imigrantes/refugiados, como vimos na problemática do navio Aquarios, que tinha mais de 600 pessoas e vários países recusaram conceder auxilio a essas pessoas.

O mar mediterrânio é uma enorme vala comum à porta da Europa, tendo como seu coveiro principal a Frontex. A alegada agência de segurança, tantas vezes glorificada em reportagens nos media, é um instrumento poderoso de fechamento das fronteiras da Europa e, com os sucessivos reforços de meios financeiros e materiais, está a transformar-se num «Gigante Adamastor» para aquelas e aqueles que só querem fugir da guerra e da miséria em que «ordem mundial» os colocou.

As ideologias extremistas, que se baseiam no fechamento e numa qualquer superioridade moral estão a implantar-se com maior força, um pouco por todo o mundo. O cromossoma conservador é caminho fértil para o crescimento da extrema direita que temos vindo a assistir e para a retirada de direitos aos mais fracos e vulneráveis. A inversão desse caminho não será feita pela via da genética, mas sim pela consciencialização coletiva de que todas e todos temos direito a viver, afirmar e festejar a nossa individualidade, na colorida diversidade do quotidiano.

Luís Miguel Santos

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