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OPINIÃO/CRUZEIRO: MEGALOMANIAS

Escrito por em Julho 17, 2018

Megalomanias

Bem ao estilo de políticas populistas, cada vez mais, em Odivelas são anunciados projetos e ideias de uma ambição desmedida, atendendo à realidade concreta do concelho.

Agora que se sabe, de mais um protocolo, com mais uma federação de um qualquer desporto, que para o caso desta crónica pouco importa. Um espaço vetado ao abandono há demasiado tempo e que a ver vamos se assim irá continuar. Refiro-me uma vez mais ao polidesportivo Honório Francisco, situado na Codivel.

O caso desse polidesportivo, é só mais um exemplo do cadastro municipal de entrega de equipamentos públicos a entidades de fora do concelho ou que não conseguem cumprir os compromissos assumidos perante a autarquia. Todos nos lembramos dos vários protocolos com o Sporting Clube de Portugal para cedência de horas no Pavilhão Multiusos e dos campos do Odivelas Futebol Clube ou caso do ringue contiguo à Escola EB1/JI João Villaret envolvido num plano de cobertura por parte do Clube Desportivo Jardim da Amoreira.

No caso do complexo desportivo do Porto Pinheiro, a situação é ainda mais complicada de entender. Depois de terem falhado os acordos com o Sporting, o município cedeu um espaço privilegiado do concelho ao Sindicato dos Jogadores Profissionais, sem que seja clara a real condição de existência ou não do Odivelas Futebol Clube. Protocolo que ainda envolve a Câmara com investimentos na recuperação de património que será usado pelo SJPF. Em vez de tentar ajudar à recuperação do clube mais emblemático do concelho, a Câmara Municipal optou pelo caminho mais fácil, como sempre tem vindo a fazer, e entregou aqueles terrenos e umas horas mensais no Multiusos ao SJPF.

É este o concelho que se candidatou à Cidade Europeia do Desporto de 2020. Evento que, a confirmar-se, muito engrandecerá o nome de Odivelas, sem qualquer dúvida. No entanto, o caso de abandono de infraestruturas, a entrega de equipamentos municipais a entidades terceiras, a ausência de espaços públicos para a prática de desporto informal gratuitamente e a instável condição de muitas instituições desportivas do concelho são razões mais do que suficientes para questionar a capacidade e necessidade do município abalançar-se para tamanha empreitada. A casa parece estar a ser construída pelo telhado, ainda que pouco se saiba de concreto sobre o processo de candidatura e das obrigações que a autarquia terá do ponto vista infraestrutural e financeiro.

Este género de eventos deveria ser o resultado lógico e coerente de uma política pública virada para a promoção da prática desportiva e não um fim em si mesmo. A visibilidade será um ganho insuficiente para, sustentadamente, tornar Odivelas um concelho amigo do desporto, de quem pratica e das instituições que também o promovem. A Cidade Europeia do Desporto, caso venha a concretizar-se no nosso território em 2020, não pode ser mais uma oportunidade para PPP’s ou protocolos com associações e instituições que nada têm que ver com o concelho, mas terá que ser o momento em que o desporto passará a ter 52 semanas de atenção por ano e não apenas uma, como acontece atualmente.

A autarquia que se candidata à Cidade Europeia do Desporto é a mesma que entrega a privados a gestão do Centro Cultural da Malaposta. Tal como no desporto, também no âmbito cultural, a maioria do Partido Socialista que tem governado a autarquia escolhe deixar nas mãos de terceiros os meios para agir politicamente nesse setor.

Recentemente, o Tribunal Administrativo deu razão à Câmara Municipal de Odivelas e concedeu luz verde para a concretização do processo de privatização da Malaposta. Concretizada essa entrega, a questão que sobra é: no dia em que autarquia quiser promover a criação e o consumo de espetáculos culturais (teatro ou cinema, por exemplo) como e onde vai poder fazê-lo? Na Malaposta não será certamente, a não ser que seja rentável financeiramente para a entidade gestora.

Esta forma de gerir políticas públicas tem que fazer-nos prestar toda a atenção e empenhamento na discussão sobre o futuro do Mosteiro de São Dinis e São Bernardo. O debate público que há por vir será a oportunidade das e dos cidadãos pronunciarem-se sobre o destino do património cultural e arquitetónico mais importante do concelho e não deixar essa questão só nas mãos de quem tem provado ser perito na entrega de bens públicos a entidades privadas.

Num concelho em que a maior freguesia apenas em 2018 deverá ter um centro de saúde digno e que não funcione em prédios de habitação, onde centenas de alunos estudam em contentores e outros tantos em edifícios que há muito deviam ter sido reabilitados, onde a habitação ainda não é um Direito para todas e todos ou no qual os transportes não garantem a resposta às necessidades de mobilidade das populações, a política dos eventos mediáticos apenas serve para fazer crescer a distância entre eleitos e eleitores e não para mudar nada de concreto no dia-a-dia de cada um e cada uma. Deixemo-nos de megalomanias e concentremo-nos na resolução dos problemas quotidianos de quem aqui vive, estuda e trabalha.

Nota: Faleceu hoje João Semedo, médico e ex-coordenador nacional do Bloco de Esquerda, entre muitos outros ativismos. Foi uma vida cheia, que nos deixou o ensinamento de que a firmeza das convicções pode andar de mão dada com o respeito pelo outro, também na divergência. Aos familiares, amigo(a)s e camaradas deixo um abraço solidário.

                                                                         Luís Miguel Santos

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