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OPINIÃO/CRUZEIRO: DIREITO À SAÚDE E À GREVE

Escrito por em Maio 8, 2018

Direito à  Saúde e à Greve

Esta semana está a decorrer uma greve de médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Durante três dias, os clínicos reivindicam, entre outras medidas, o desbloqueamento de carreiras, a abertura de concursos para a contratação de mais profissionais, a diminuição progressiva do número de horas dos bancos de urgência e reduzir para 1500 utentes por médico de família.

A criação do Serviço Nacional de Saúde foi uma das mais importantes conquistas do Portugal democrático nascido em 25 de Abril de 1974. O SNS transformou de forma muito marcada a vida de quem vivia em Portugal. É conhecida a evolução das estatísticas da mortalidade infantil, o aumento da esperança média de vida ou os avanços registados na saúde familiar e reprodutora, por exemplo.

Nestas quatro décadas as condições de trabalho e de funcionamento do serviço público de saúde melhoraram significativamente. Pode mesmo concluir-se que a constituição do SNS foi um sucesso e que cumpriu os seus objetivos iniciais. Ainda assim, o desenvolvimento desse serviço não foi isento de erros e não está imune à crítica.

No final dos anos 80 o encerramento dos cursos de medicina tornou o acesso a essa formação limitado a alunos com desempenho escolar quase perfeito, do ponto de vista das notas, e teve como consequência, anos mais tarde, a escassez de profissionais em algumas especialidades. Ainda pela mão da mesma maioria de Cavaco Silva assistimos ao surgimento das Parcerias Público-Privado (PPP) na área da saúde, através do Hospital Amadora Sintra.

Entretanto, o modelo das PPP na saúde tem vindo a ser uma linha de atuação política continuada por todos os governos. Em alguns casos, como no Hospital Beatriz Ângelo (HBA), o recurso a esse género de parcerias foi justificado com a carência de equipamentos e com a alegada incapacidade do Estado suprir essa falta. Noutros momentos, as PPP legitimaram-se na retórica demagógica das vantagens da gestão privada em comparação com a gestão pública. O facto é que, nos últimos anos o negócio da saúde privada cresceu muito à sombra do Serviço Nacional de Saúde e deixando quase sempre para o serviço público o cuidado com os casos mais agudos e complicados, bem como o compromisso com o desenvolvimento da ciência médica.

O nosso concelho não é exceção neste panorama, quer pela PPP do HBA, quer pelos problemas existentes na rede de cuidados de saúde primários. Cerca de um quinto da população (aproximadamente 30000 pessoas) não tem médico de família e, por essa razão, muitas dessas pessoas sempre que necessitam de cuidados médicos recorram diretamente ao «hospital de Loures», transformando a urgência num dos serviços que recebe mais doentes não urgentes, em todo o país.

Por outro lado, a realidade das infraestruturas de saúde no concelho é por demais conhecida. Aparentemente, apenas em 2018 a sede de concelho vai ter um Centro de Saúde digno desse nome. Foram quase quatro décadas a funcionar em prédios de habitação, desde a primeira promessa de construção do novo CSO. Noutros casos, há problemas com a acessibilidade e a adequação dos equipamentos existentes, como Famões ou a extensão da Urmeira. A clássica questão da referenciação da população da Pontinha para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, continua a ser um problema de organização do SNS em aberto.

As questões organizativas e a criação de infraestruturas adequadas não esgotarão o universo de desafios que o SNS tem pela frente. O compromisso com o Serviço Nacional de Saúde tem de traduzir-se na priorização do interesse coletivo em vez dos negócios particulares e na aposta em mais e melhores recursos humanos. Esse objetivo só será alcançado com mais investimento público e sem cativações administrativas de despesa. Por isso, estar ao lado dos médicos estes dias, mais do que defender o direito à greve, é estar com quem exige um Serviço Nacional de Saúde público e de qualidade.

Luís Miguel Santos

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