Histórias com seis décadas que marcaram o festival da Eurovisão
Escrito por Rita Baptista em Maio 10, 2018
Ao longo de mais de 60 anos de Festival Eurovisão da Canção, o evento fez-se também de histórias vividas no palco e nos bastidores do concurso várias vezes marcado por protestos e expectativas de vitória de Portugal.
Há 50 anos, em 1968, o festival foi pela primeira vez transmitido a cores em países como a França, Alemanha Ocidental, Grã-Bretanha, Holanda, Noruega, Suécia, Finlândia e Suíça.
Na final, realizada no Royal Albert Hall, em Londres, a intérprete belga, Claude Lombard, “que se apresentou inicialmente com um vestido verde, foi obrigada, logo no ensaio geral, a envergar outra indumentária, porque a primeira não ficava bem no ecrã a cores”, recordou à Lusa Jorge Mangorrinha, autor de vários estudos sobre o festival.
Nessa edição, segundo o investigador, foi exigido aos concorrentes “quatro ensaios prévios com e sem câmara, com e sem vestuário final”.
Já a participação portuguesa nessa edição ficou marcada pelo facto de o concorrente Carlos Mendes “ter faltado a um jantar organizado pela BBC, com Cliff Richards [que representava o país anfitrião, Reino Unido] e não aceitaria depois fazer uma turnê pela Europa”, explicou Mangorrinha.
Apesar de se querer afastado da política, o festival da Eurovisão foi, por várias vezes, palco de contestações políticas e sociais, e com a canção portuguesa protagonista.
Portugal, que participou pela primeira vez em 1964, durante a ditadura, gerou logo nesse ano um protesto em que um homem entrou em palco e exibiu um cartaz com ‘Boycott Franco & Salazar’ (‘Boicotem Franco e Salazar’, em inglês), contou Jorge Mangorrinha.
Também na edição de 1968, o caudilho de Madrid, Francisco Franco, determinou a não-participação do cantor Joan Manuel Serrat no festival, por pretender cantar a felicidade de ‘La, la, la’, em catalão, nas televisões europeias. A canção foi entregue então a Massiel, que venceu o concurso, sucedendo à britânica Sandie Shaw, intérprete de ‘Puppet on a string’, que, em 1967, se apresentara em palco descalça e com um minivestido.
Em 1969, o impacto do festival em Portugal foi patente num episódio protagonizado por Simone de Oliveira.
Depois de atuar em Espanha, Simone voltou a Lisboa, de comboio, numa viagem que “da fronteira até Lisboa demorou dez horas, dado que as pessoas estavam junto da linha com bandeiras e espigas de milho-rei”, contou Mangorrinha. Em Santa Apolónia, uma enchente de cerca de 20.000 pessoas esperava a concorrente que, segundo a imprensa da época, “cantou com megafone para a multidão em cima de uma mesa e de um banco, junto a uma janela da estação que não era aberta há dez anos”.
Nesse ano, o festival ficou também marcado por, no final da votação, ter havido um empate de quatro países, que acabaram por ser declarados vencedores – Espanha, França, Reino Unido e Holanda – o que levou vários participantes a contestar o sistema de votação.
Em 1974, Paulo de Carvalho levou ‘E Depois do Adeus’, canção usada como senha na revolução de 25 de Abril e que os outros concorrentes diziam ter “fortes possibilidades de ficar em lugar cimeiro, ou mesmo de ganhar”, lembrou o investigador.
“Conta-se que, num dos ensaios, os violinistas bateram com os arcos dos violinos no suporte da partitura, como gesto de agrado pela qualidade musical da canção e que também”, segundo o investigador, “um agente de Ella Fitzgerald se apresentou aos autores da canção, manifestando interesse na mesma”.
A comitiva portuguesa chegou a solicitar à RTP autorização para que Paulo de Carvalho cantasse em inglês, o que não foi autorizado. A canção portuguesa acabou por ficar em último lugar.
Um ano depois, ‘Madrugada’, de José Luís Tinoco, que Duarte Mendes e o maestro Pedro Osório levaram a Estocolmo, evocou a madrugada de 25 de Abril de 1974.
Duarte Mendes, um dos capitães de Abril, atuou com um cravo vermelho na lapela, causando perplexidade, sobretudo junto da imprensa internacional, segundo o autor da canção, quando, num dos ensaios, cantou a versão inglesa, tornando evidente a relação com a queda do regime.
Na edição de 1996, em Oslo, na Noruega, antes da interpretação de cada concorrente, um membro oficial de cada país proferiu uma mensagem de um minuto.
Por cá a missão coube ao primeiro-ministro de então, António Guterres, que desejou “que a música portuguesa fosse dignificada no estrangeiro e, em particular, nas terras do bacalhau”. Portugal terminou em 6.º lugar depois de uma atuação carregada de peripécias “com os músicos a tentar fazer boa figura e Lúcia Moniz, vestida pelo estilista Nuno Gama, com a presilha do sapato partida e sem poder dançar”.
A canção foi por várias vezes uma arma e em 2011 Portugal voltou a andar nas bocas do mundo com os Homens da Luta a serem selecionados para representar o país em Dusseldorf.
Não se qualificaram para a final, mas nas redes sociais a movimentação de apoio foi acérrima por parte dos fãs e de ativistas. As personagens portuguesas circulavam na cidade e faziam concertos espontâneos nas ruas, cantando as suas canções e as de outros autores (‘Grândola Vila Morena’, ‘E Depois do Adeus’ e ‘O Que Faz Falta’), com os transeuntes a atirarem-lhes moedas.